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Joanna de Angelis – Do Átomo ao Arcanjo

Neide Fonseca 

Conforme O Livro dos Espíritos, na questão 540 “… tudo se encadeia na natureza, desde o átomo primitivo até o arcanjo, pois ele mesmo começou pelo átomo”.

Porque estamos destinados a ser o sal da Terra e a luz do mundo é que marchamos saindo da menor unidade da matéria – o átomo – evoluindo, mesmo que lentamente para a mais alta escala. 

“Ao lado de Deus estão numerosos Espíritos chegados ao topo da escala dos Espíritos puros…” (Revista Espírita, fevereiro de 1868 – Instruções dos Espíritos).

Verdade que as experiências das trajetórias humanas estão permeadas de dor, sofrimento, alegrias, momentos fugazes e momentos que parecem se eternizar. Porém, tudo é aprendizado para encontrar e seguir o caminho da redenção.

Assim é que na trajetória do espírito Joanna de Angelis, depois de sair do átomo e passado pela base da escala, onde estão os Espíritos imperfeitos, vamos encontrar uma vida rica em amor a Deus e ao próximo na busca de tornar-se um Espírito puro, onde atingirá o supremo grau de perfeição.

Nesse processo evolutivo no século I da Era Comum, vamos encontrar uma mulher da classe alta de Cafarnaum, por nome Joana de Cusa, que seguia a Jesus em suas pregações.

“E aconteceu, depois disto, que andava de cidade em cidade, e de aldeia em aldeia, pregando e anunciando o Evangelho do reino de Deus; e os doze iam com ele, e algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual saíram sete demônios; e Joana, mulher de Cusa, procurador de Herodes, e Suzana, e muitas outras que o serviam com seus bens.” (Lucas 8:1-3).

Joana de Cusa, portanto, estava entre aquelas mulheres que durante muito tempo deram suporte material a Jesus e seus apóstolos, amenizando as necessidades do grupo em sua peregrinação e também esteve aos pés da cruz na hora do martírio de Jesus.

Segundo Humberto de Campos, no livro “Boa Nova”, Joana possuía verdadeira fé; com rara dedicação, nobreza de caráter e exemplo de humildade. E que vergada ao peso das injunções domésticas, angustiada pela incompreensão e intolerância do esposo, que não suportava Jesus, Joana procura o Mestre, que a orienta a servir com amorosa dedicação, sendo fiel a Deus, amando o companheiro do mundo e seu filho. Traça-lhe Jesus um roteiro de conduta que lhe faculta viver com resignação o resto de sua vida.

Como na vida de qualquer um de nos, sempre é chegada a hora do testemunho. Morrendo seu marido, Joana se vê desprovida dos bens materiais, tendo de trabalhar nas casas ricas que antes frequentava como convidada para os banquetes. Trabalhou até a velhice, quando então foi levada ao circo romano, juntamente com o filho moço, para testemunhar a sua fé em Cristo. E ela, embora as rogativas do filho para que abjurasse a Jesus, contempla o céu, sem uma palavra de negação ou de queixa, e com os olhos abundantes de lágrimas recorda sua existência inteira e responde:

“- Cala-te, meu filho! Jesus era puro e não desdenhou o sacrifício. Saibamos sofrer na hora dolorosa, porque, acima de todas as felicidades transitórias do mundo, é preciso ser fiel a Deus!”

Ato contínuo, as labaredas consomem o seu corpo envelhecido, liberando uma alma luminosa pela vida de sacrifícios, sublimação e de testemunhos a Jesus.

Emmanuel, em Fonte Viva (lição 67), ensina que ao renovar o nosso modo de sentir, pelos padrões do Evangelho, enxergaremos o Proposito Divino da Vida, atuando em todos os lugares, com justiça e misericórdia, sabedoria e entendimento. É o que ocorreu com Joana de Cusa, que tempos mais tarde, em 1194, na cidade italiana de Assis, está de volta à Terra, com o nome de Chiara d’Offreducci.

É o século das Cruzadas, onde os interesses espirituais foram substituídos pelos interesses comerciais; da perseguição da igreja romana aos infiéis; da Cruzada das crianças organizada pelos bispos Estevão e Nicolau, que tinham a intenção de conquistar a Terra Santa através da entrada dos “puros de coração”, numa demonstração de interpretação equivocada dos ensinamentos de Jesus; do século da instituição e reconhecimento público da inquisição e da transubstanciação, que nasce, cresce e vive Chiara d’Offreducci, mas conhecida como Clara de Assis.

Nascida em família rica, nobre, já bem nova, ainda menina, se mostrava caridosa e respeitava os mais pobres, afinal em encarnação pregressa havia convivido com Jesus, Dele aprendera a verdadeira caridade. Enfrentando forte oposição da família, aos dezoito anos, decide fazer voto de pobreza, então foge de casa, do conforto e segurança de seu lar e se torna discípula de Francisco de Assis. Pioneira, Clara foi a primeira mulher a aderir aos ideais franciscanos. Mais tarde funda a ordem feminina Franciscana.

Clara era exemplo de bondade, amor a Jesus, e com o seu exemplo arrasta os dois irmãos, as duas irmãs e a mãe já viúva, que a ela se juntaram no Convento. 

Sua fé era inequívoca. Certa feita quando os sarracenos (muçulmanos) tentaram invadir o Convento das Clarissas, Clara de ostensório nas mãos enfrentou os invasores, barrando a entrada e afirmando que Cristo era mais forte que todos eles. Inexplicavelmente, todos foram tomados de grande medo e fugiram sem saquear o convento. Desencarnada em 1253, no ano de 1255 foi canonizada pelo Papa Alexandre IV. 

Em uma época em que os mosteiros tinham se transformados em palácios, onde os representantes da igreja eram donos das terras para as quais foram nomeados governadores espirituais, onde corrupção e luxúria eram a tônica, a vida de Clara foi exemplo de vivencia dos padrões do Evangelho.

 O tempo passa. Estamos agora no século XVII, e como ensina Emmanuel: “É necessário começar e continuar em Deus, associando nossos impulsos ao plano divino, a fim de que nosso trabalho não se perca no movimento ruinoso ou inútil”. (FV, lição 77). Nessa linha de pensamento vamos encontrar reencarnada na Terra, dando continuidade ao cumprimento do plano divino, a mesma Joana de Cusa, agora na pele de Juana de Asbaje y Ramirez de Santillana.

Nascida em 1651, em San Miguel Nepantla, no México, aprende a ler aos três anos de idade e aos cinco já faz seus primeiros versos. Aos seis anos dominava perfeitamente o idioma pátrio bem como tinha habilidades para os afazeres comuns às mulheres adultas daquela época.

Naquele tempo mulheres não podiam frequentar a Universidade e Juana ficou muito triste por isso, buscando estudar e muitas vezes até por conta própria, aos 12 anos aprendeu latim em vinte aulas e aprendeu português sozinha. Falava também uma língua indígena chamada náhuatl.

Certa feita, o Vice-rei resolveu testar os conhecimentos de Juana, que contava 15 anos de idade. Reuniu 40 especialistas da Universidade do México para interrogá-la sobre assuntos  variados.  Durante horas a jovenzinha se submeteu ao interrogatório e terminou sob aplausos.

Porém, Juana não se deixava iludir pelas coisas do mundo. “A fim de se dedicar mais aos seus estudos e penetrar com profundidade no seu mundo interior, numa busca incessante de união com o divino, ansiosa por compreender Deus através de sua criação, resolveu ingressar no Convento das Carmelitas Descalças, aos 16 anos de idade”.

Escasso era o tempo para se dedicar à leitura nas Carmelitas. Juana opta por mudar para a ordem de São Jeronimo da Conceição, onde tinha menos obrigações religiosas, podendo dedicar-se ao estudo das letras e da ciência. É nesse período que adotará o pseudônimo de Soror Juana de La Cruz.

Juana estudava, escrevia poemas, ensaios, dramas, peças religiosas, cantos de Natal e música sacra. Com frequência recebia, no Convento, visitas dos intelectuais europeus e do novo mundo para o intercambio de conhecimentos e experiências. Seus escritos foram popularizados entre estudantes, mestres das Universidades de várias partes do mundo, ficando Soror Juana conhecida como a “Monja da Biblioteca”.

No ano de 1690, Juana defendeu o direito das mulheres se dedicarem a atividades intelectuais.  Escreveu um documento afirmando da necessidade do conhecimento geral para melhor entender e servir a Deus. Esse documento é considerado a Carta Magna da liberdade intelectual da mulher americana.

A Revista Seleções do Reader´s Digest, de Julho de 1972, considerou Soror Juana Inês de la Cruz como a primeira feminista do Novo Mundo.

No ano de 1695 ocorre uma epidemia de peste na região. Juana diuturnamente cuida das suas irmãs religiosas que estavam enfermas. Infelizmente todas foram morrendo, e ela, abatida e doente, desencarna aos 44 anos de idade.

Juana foi a mais importante figura da literatura mexicana no período colonial, além disso, é considerada a máxima expressão do barroco no novo mundo, ao lado de outros nomes importantes da literatura castelhana na América dos séculos XVI e XVII. Afirmam seus biógrafos que Soror Juana foi a única ponte literária entre o Novo e o Velho Mundo.

Menendez y Pelayo afirma que os versos de amor profano de Juana, são os mais suaves e delicados que já saíram da pena de uma mulher. Além disso, compara a espiritualidade das canções que intercala sua peça O Divino Narciso com o Cântico dos Cânticos, de Salomão. (https://palavrastodaspalavras.wordpress.com/juana-ines-de-l-a-cruz-m-andrade/)

Desencarnado, fica o Espírito por  um periodo na erraticidade, conforme aprendemos em “O Livro dos Espíritos”, questões: 223 a 226. Nesse período, o Espírito estuda, aprende, trabalha, enquanto aguarda uma nova oportunidade reencarnatória.

Assim é que, desencarnada no ano de 1695, vamos encontrar esse Espírito filiada à equipe do Espírito de Verdade que tinha como missão implantar na Terra, o Consolador prometido por Jesus – a Doutrina Espírita.

É a propria Joana quem nos conta o que ocorreu na espiritualidade, através da mediunidade de Divaldo Pereira Franco, no livro “Após a tempestade”:

“Quando se preparavam os dias da Codificação Espírita, quando se convocavam trabalhadores dispostos à luta, quando se anunciavam as horas preditas, quando se arregimentavam seareiros para a Terra, escutamos o convite celeste e nos apressamos a oferecer nossas parcas forças, quanto nós mesmos, a fim de servir, na ínfima condição de sulcadores do solo onde deveriam cair as sementes de luz do Evangelho do Reino.”

É no Evangelho Segundo o Espiritismo que vamos encontrar a contribuição belíssima de Joana, assinada como “Um Espírito amigo”:

– Cap. IX, item 7, intitulada “A Paciência”, psicografada em Havre, 1862;

– Cap. XVIII, itens 13 e 15, intitulada “Dar-se-á àquele que tem”, na cidade de Bordéus, também em 1862.

A roda do tempo é inexorável, entre reencarnar e desencarnar vai o Espírito evoluindo. Na erraticidade o Espirito pode melhorar-se muito, todavia é na existência corporal que põe em prática as ideias que adquiriu, assim é que tempos depois vamos encontrar a mesma Juana de Cusa na veste carnal de Joanna Angélica de Jesus.

Era o ano de 1761, mês de dezembro, na cidade do Salvador – Bahia nascia aquela que na fase adulta se tornaria freira e viria a protagonizar um terrivel drama à época da Independencia da Bahia.

Aos 21 anos de idade Joana ingressa no Convento da Lapa, como franciscana. Após o noviciado, foi irmã escrivã, até que vigária pelos muitos méritos galgou a posição de Abadessa em 1815. Madre Abadessa das Religiosas Reformadoras de Nossa Senhora da Conceição, Sóror Joana Angélica de Jesus.

Morre durante combate entre as tropas brasileiras e as tropas portuguesas sob o comando do General Madeira, nos acontecimentos pós “Sete de Setembro”, passando para a Historia como heroína da Independência do Brasil.

Logo após o dia do “Fico” do príncipe D. Pedro, havia grande animosidade entre Portugal e Brasil que voltava a ser colônia de Portugal. Brasileiros e portugueses se digladiavam nas ruas. O clima era de guerra.

Na Bahia as tropas do coronel Inácio Luís Madeira de Melo venceram e tomaram a cidade das mãos dos brasileiros. Com os marujos, os soldados de Madeira comemoram a vitória, quando embriagados resolvem promover um quebra-quebra na cidade além de insultar as famílias. Foi um dia de terror.

Os soldados bêbados tiveram a infeliz ideia de invadir o Convento da Lapa, onde as franciscanas, assustadas, se reuniram no entorno da Abadessa Joana para orar. Porém os desvairados soldados puseram-se a bater ao portão para que abrissem no intuito de violar as freiras.

Era como se voltasse no tempo, quando na vestimenta carnal de Clara de Assis expulsara  os sarracenos do Convento.  Num átimo, após ouvir os estalos do portão que se quebrava, a abadessa ordena a suas religiosas que fujam por outra saída, enquanto se dirige para a entrada.

A porta abre-se  e diante da tropa está Joana Angélica de Jesus, hábito branco até os pés, manto azul sobre os ombros, véu preto ocultando-lhe a cabeça, rosto sereno, diz: “- Para trás, bárbaros! Respeitai a Casa Senhor! Aquelas portas caíram aos vaivéns de vossas  alavancas, aos golpes de vossos machados. Esta passagem, porém, está guardada por meu peito e não passareis senão por sobre o cadáver de uma mulher”.

Após alguns instantes de silêncio os soldados adentraram o claustro, guardado pela abadessa, e cruelmente mataram-na. Uma baioneta atravessa-lhe o peito. Ela cruza as mãos sobre a ferida e tomba morta. E a soldadesca sai em busca das freirinhas que já a esta hora estavam bem escondidas no Convento da Soledade, salvas pelo heroísmo de Joana.

Era 20 de fevereiro de 1822, quando Joana Angélica de Jesus retornou à Pátria Espiritual, e desde então seguindo a programação de contribuir com a implantação e implementação do Evangelho na Terra, Joana, que adotou o nome de Joanna de Ângelis tornou-se missionária do Espiritismo, atuando ativamente com o médium Divaldo Pereira Franco, psicógrafo.

Suas obras são de grande beleza e sempre na intenção de evangelizar e educar a criatura humana.

Do átomo ao arcanjo prossegue esse Espirito na sua senda de luz, iluminando por onde passa com um rastro de amor imbatível por Jesus e pela humanidade.

Do átomo ao arcanjo, esse é o caminho que todos trilharemos!

Bibliografia:

Boa Nova – Humberto de Campos – Francisco Candido Xavier – Ed. FEB

O Livro dos Espíritos – Allan Kardec – Ed. FEB

A veneranda Joanna de Ângelis – Celeste Santos e Divaldo P. Franco – Ed. Leal

Joanna e Jesus: Uma história de amor – Cezar Braga Said – Ed. FEP

Revista Espírita, Fevereiro de 1868 – Instruções dos Espíritos.

Fonte Viva – Emmanuel – Francisco Candido Xavier – Ed. FEB

A Bíblia de Jerusalém.