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SOBRE A RESPONSABILIDADE DE SER ESPÍRITA E A POLÍTICA PARTIDÁRIA

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No século XVI, o pensador Nicolau Maquiavel (1469-1527) escreve a sua obra prima, “O Princípe”. Nascido em pleno Renascimento, o pensador é considerado fundador da Ciência Política Moderna – foi um funcionário público de Florença, e eventual conselheiro dos Médici, muito próximo de Lourenço, o Magnífico, e de Cesar Borgia, político romano, filho do Papa Alexandre VI.

Acusado de traição, Maquiavel foi forçado ao ostracismo, quando então escreve as duas principais obras políticas: a já citada acima e “Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio”.

De formação humanística, Maquiavel trazia como um dos modelos de organização política a do Império Romano. “Maquiavel começa o capítulo oitavo de O Príncipe invocando um exemplo histórico, para então induzir de tal acontecimento um raciocínio geral: ele apresenta Agátocles como um exemplo de político cruel contemporâneo. Em seguida, discorre sobre o uso bom ou ruim (no sentido útil) da crueldade na política.” (ROCHA e QUERIQUELLI, 2011).

Interessante notar que o pensador renascentista não dispõe de um conceito de Estado, e, portanto, não consegue compreender plenamente o surgimento de um Estado nacional. Para Maquiavel, não existe diferenças entre Francisco I da França, Carlos V e César Bórgia; ele apenas percebe a necessidade de se criar uma unificação nacional para que a Itália vença as suas divisões. Como uma das noções centrais do pensamento maquiavelano, a natureza humana é perversa. “Os homens seriam essencialmente maus” (ibid, 2011). “Os homens são ingratos, volúveis, simulados e dissimulados, fogem dos perigos, são ávidos de ganhar (…), tem menos receios de ofender a quem se faz amar do que a outro que se faça temer (…) e esquecem mais rapidamente a morte do pai do que a perda do patrimônio. (…) Comprazem-se tanto em suas próprias coisas e de tal modo se iludem que raramente se defendem dos aduladores (…), e sempre se revelarão maus, se não forem forçados pela necessidade a serem bons (MAQUIAVEL, 2001, p.80 – 81).

Para ele, todas as relações humanas são relações de poder. “Para o indivíduo, os outros ou são obstáculos ou são instrumentos para a realização de seus fins. Exatamente por isso, é necessário controlá-los sem se deixar cair no controle deles.” (ibid, 2011).

Durante a Idade Média, era comum avaliar os atos políticos por meio de juízos de valor, considerados e levados à prática pela Igreja cristã. Ignorando ou deixando de lado a moral cristã, Maquiavel inaugura a ruptura entre política e moral, ou seja, o ato político deixou de ser avaliado pelo seu valor moral, considerado por ele de sujeição e domesticação pelo clero, para ser avaliado por seu sucesso perante a manutenção de poder. “Se vistos pela ótica da moralidade cristã, dificilmente seriam admissíveis conselhos como: enganar as pessoas, aparentar qualidades que são valorizadas pelo povo e renegar estas qualidades quando estas não forem mais úteis; assassinar aliados quando necessário para a manutenção do poder (…) (ibid, 2011).”

O príncipe deve ser temido mas, por outro lado, deve cuidar para que não seja odiado.

Sua obra, “O Príncipe”, é considerado um verdadeiro manual de absolutismo, já que seu maior desejo é ver uma Itália forte e unificada politicamente que somente um príncipe que preencha aquelas condições poderá fazê-lo.

Maquiavel ainda hoje é considerado – através de seus livros – um ícone para muitos políticos de direita, de esquerda ou de centro. Dotado de uma sagacidade ímpar, ele planta as raízes que devem fazer florescer a mais forte das árvores: a do poder absoluto, e que jamais viria ao encontro dos ideais de uma democracia plena, mais tarde desenvolvida teoricamente nas Américas e na França, por conta de suas revoluções locais, porém, nesta última, culminando no regime do terror.

Assim como Maquiavel, outros pensadores abordaram o poder de forma ampla como Hobbes, Locke e Rousseau. Cada um inserido em seu tempo, e culturas, porém com seus braços estendidos ao nosso século XXI, pois não é preciso muito para analisarmos como as suas ideias ainda se encontram inseridas na política global, compondo manuais de conduta perante as massas, como controlá-las e como manter aliados nas difíceis manobras do poder.

Diante dos fatos acima, pensemos com Allan Kardec em “Viagem Espírita em 1862”, quando diz que as sociedades deverão unir-se em um mesmo ideal de convivência pacífica e distributiva, onde a solidariedade deva se dar de forma espontânea e digna.

O prof. Rivail, profundo conhecedor da alma humana, sabia – e sabe – que as relações humanas para que se concretizem no ideal cristão, teriam que passar por diversas fases e muitas crises, uma vez que grande parte da humanidade é composta de Espíritos existencialmente imaturos e em muitos casos, rebeldes, o que levaria por dedução a julgá-los irresponsáveis, já que não se preveem as consequências deste ou daquele ato praticado, mas sim a obtenção, o lucro, a abrangência ou projeção pessoal, bem como a sagacidade nele aplicados para a manutenção de seus desejos escusos.

Pensarmos em ideal cristão e espírita em meio tão controverso pode parecer ingênuo, porém, o bom espírita que também é o bom cristão sabe que o seu papel é o do fermento da parábola de Jesus, que leveda a massa – a grande massa onde há desonestidade e desrespeito ao próximo, com o contributo de seu pensamento e posturas ético-morais, ou seja, respeitando a Vida, respeitando a mulher, respeitando o idoso, a criança, exemplificando com leal e profundo apreço o Evangelho do Mestre, tal como Kardec o fez.

Léon Denis, em meio à eclosão de revoltas políticas e da I Guerra Mundial onde a França sofreu perdas e destruição, preconizava a nobre ação do espírita a viver e exemplificar um “socialismo” com base na Lei de Sociedade (III Parte de O Livro dos Espíritos), na Lei de Igualdade e na Lei do Amor.

Em seu livro “Socialismo e Espiritismo”, diz Denis (destaques da obra): a solidariedade dos seres na comunhão universal é um princípio sagrado no qual deve se inspirar toda grande obra (…) Ligados através de nossas vidas, prosseguindo todos em um objetivo comum, nos sentimos unidos por fortes laços e chegaremos, com o tempo, através das perfeições realizadas, à formação de uma grande família (…) (DENIS, Socialismo e Espiritismo).

Portanto, em nenhum momento, nem durante nem posteriormente aos conflitos que a França atravessou, os baluartes do Espiritismo sequer pensaram em fundar partidos políticos sob a legenda espírita, pois sabiam que esta facilmente cairia – através de seus componentes – no lugar comum da política vigente.

O Espiritismo é a síntese conceptual do pensamento – é o método de bem viver, de bem conhecer a Verdade, de respeitar a si e ao próximo. Jesus jamais se imiscuiu nos poderes de seu tempo, imersos em lutas fratricidas de conquista, de supremacia custasse o que custasse, atribuindo a César o que lhe era devido – ou seja, não havia condições de diálogo com César, aplacado em sua sede de poder pelo pagamento de impostos, embora injustos e cobrados pela força.

Sua luta era outra – a mesma que seu discípulo fiel, Kardec, inicia – a do bom combate, seguida de perto por outro guerreiro da Paz, Paulo de Tarso, de outros guerreiros da não-violência como Mahatma Gandhi, Luther King e de centenas de milhares de outros em nosso tempo, muitos anônimos.

Temos consciência de que o momento atual é de grandes mudanças, de que o espírita é chamado a participar dessas mudanças, mas acima de tudo de que a maior transformação que lhe cabe realizar é a de seu próprio caráter, harmonizando-o com os ensinamentos de Jesus e decodificados por Allan Kardec e sua divina parceria com o Mestre e com os Luminares da espiritualidade humana.

Fundar partidos sob legendas espíritas é jogar o Espiritismo nas lutas inglórias, mesquinhas, pretensiosas e menores das arenas políticas. Mais, é usá-lo como degrau ascensional à arrogância e orgulho pessoais.

“Recorda-te de que a vida é curta; esforça-te, pois, por conquistar, enquanto o podes, aquilo que vieste aqui realizar: o verdadeiro aperfeiçoamento. Possa teu Espírito partir desta Terra mais puro do que quando nela entrou! Pensa que a Terra é um campo de batalha, onde a matéria e os sentidos assediam continuamente a alma; corrige teus defeitos, modifica teu caráter, reforça a tua vontade; eleva-te pelo pensamento, acima das vulgaridades da Terra e contempla o espetáculo luminoso do céu. ” (DENIS, Depois da Morte).

Sonia Theodoro da Silva, filósofa e espírita.

Bibliografia:

O Príncipe, Nicolau Maquiavel;

Filosofia Política I, Leandro Rocha e Luiz H. Queriquelli

Viagem Espírita em 1862, Allan Kardec

O Livro dos Espíritos, Allan Kardec.

Socialismo e Espiritismo, Léon Denis

Depois da Morte, Léon Denis.

Pão Nosso, Emmanuel/Chico Xavier, it.106, Há muita diferença.

Sugestão de pesquisa:

http://www.herculanopires.org.br/apostolo-abertura/291-apolitica.

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