O filósofo estóico Epicteto “acreditava que a meta principal da filosofia é ajudar as pessoas comuns a enfrentar positivamente os desafios cotidianos e a lidar com as inevitáveis perdas, decepções, e mágoas da vida.”
Estas instruções de Epicteto poderiam ser atribuídas ao prof. Rivail, Allan Kardec, que dentro da simplicidade e serenidade que o caracterizavam, soube enfrentar as vicissitudes que a sua missão lhe atribuiu.
O caráter de Rivail foi burilado ao longo de experiências e desafios em várias reencarnações que o ergueram ao patamar de um verdadeiro líder espiritual, que ele, em sua modéstia, negava aos mais próximos.
O Espírito Zéfiro que se comunicava com Rivail nos primeiros momentos de seu trabalho com a construção da codificação espírita, assim o chamou.
Analisando duas das suas reencarnações a ele reveladas – pois não há mais nenhuma outra cuja fidedignidade seja provada, como o sacerdote e filósofo Allan Kardec na cultura druídica em território das Gálias, futura França, e posteriormente como Jan Huss, pensador e reformador religioso, nascido no reino da Boêmia, futura Tchecoslováquia, precursor da Reforma Protestante e aliado de John Wycliffe – futuro Léon Denis -, inglês, filósofo, teólogo e professor em Oxford.
Jan Huss foi morto, após torturas nos calabouços da igreja católica de seu tempo, e por não mudar o seu posicionamento diante da Verdade que pregava com base no Evangelho de Jesus, foi queimado vivo, na cidade de Constança.
Um caráter assim burilado, jamais temeria enfrentar os desafios que o aguardavam quando da elaboração e futura publicação das obras espíritas.
Escolhido por sua própria história de fidelidade à Jesus e aos valores éticos e morais do Evangelho do Cristo bem como dos ensinamentos de grandes filósofos portadores de envergadura moral considerável, e como ele havia sido avisado pelo próprio Espírito da Verdade, que é Jesus de Nazaré, e pelos Espíritos orientadores e participantes da elaboração da Codificação, ele seria perseguido com a mesma intensidade do passado, ressalvado o fato de que a Inquisição não mais estendia suas garras nefastas àqueles que contradiziam os dogmas católicos.
Porém, ainda pressionava moralmente e espiritualmente – tal como hoje – os que contradizem os seus postulados.
Portanto, Allan Kardec jamais temeria ou se abateria ou sequer se abalaria diante dos desafios que o aguardavam.
Principalmente porque sabia que tinha a proteção do próprio Jesus de Nazaré.
Qualquer ideia, escritos ou testemunhos contrários a isto, não são verdadeiros.
Em 31 de março de 1869, portanto há 150 anos, deixava a Terra esse verdadeiro líder espiritual, que com fé, a mesma fé raciocinada que abraçou com o Espiritismo, legando não somente seu trabalho da mais pura integridade moral e ética, a todos os autênticos espíritas, mas o seu exemplo de comportamento e postura diante de uma grandiosa mensagem que sabia não lhe pertencer pois viera dos mais altos níveis evolutivos espirituais jamais alcançados pela alma humana.
Em 2019, lembramos essa alma, esse Espírito, glorificado pela coragem, pela fé, pela dignidade, pela integridade, pelo discernimento e bom senso que sempre o caracterizaram.
E mais do que nunca, proclamamos a necessidade da conscientização diante de tão nobre mensagem dos planos superiores da Existência, e que aqui na Terra levou o nome de Espiritismo, no formato de Filosofia, a última aqui neste plano de vida, porque jamais superada por quaisquer outras filosofias humanas, meramente humanas, porque presas aos interesses mesquinhos e menores do tempo em que são criadas.
A Filosofia dos Espíritos, que dá significado à vida, aclara a ciência e justifica a moral e a ética, jamais será ou poderá ser superada pelos sistemas filosóficos presos ao plano conscIencial de provas e expiações.
A Filosofia, com seus sistemas e ideias desenvolvidas ao longo de 2600 anos de história, buscou a Verdade que a Filosofia Espírita revelou pelas mãos e intelecto de Allan Kardec, assessorado pelos eminentes pensadores da história.
Allan Kardec possivelmente aguarda que a Filosofia Espírita alcance, como era de seu desejo e intenções, o mundo inteiro.
No Brasil de muitas controvérsias e conflitos, mas de intenções e trabalho, a Filosofia Espírita enfrenta desafios.
Cabe aos autênticos espíritas fazer com que, mais uma vez, a mensagem do Alto não se perca no mar das opiniões e senso comum ora vigentes na comunidade espírita, tal como aconteceu com a mensagem de Jesus de Nazaré, transformada em religião mítica.
No sepultamento de Rivail, um seu grande amigo disse:
“Mui caro Mestre.
Tantas vezes tive ocasião, nas minhas numerosas viagens, de ser junto a vós o intérprete dos sentimentos fraternos e reconhecidos de nossos irmãos da França e do estrangeiro, que julgaria faltar a um dever sagrado se não viesse, em nome deles, neste momento, vos testemunhar o seu pesar.
Ah! não serei mais que um eco bem fraco, para vos dizer da felicidade daquelas almas tocadas pela fé espírita, que se abrigaram sob a bandeira de consolação e de esperança que entre nós foram implantadas tão corajosamente.
Muitos dentre eles certamente desempenhariam essa tarefa do coração melhor que eu.
Não lhes permitirão a distância e o tempo estar aqui, ouso fazê-lo, pois conheço a vossa benevolência habitual a meu respeito e a de nossos bons irmãos que represento.
Recebei, pois, caro Mestre, em nome de todos, a expressão dos pesares sinceros e profundos que a vossa partida precipitada da Terra vai fazer nascer por todos os lados.
Melhor que ninguém conheceis a natureza humana. Sabeis que ela necessita de amparo. Ide, pois, até eles, derramar ainda esperança em seus corações.
Provai-lhes, por vossos sábios conselhos e vossa poderosa lógica, que não os abandonais e que a obra a que vos dedicastes tão generosamente não perecerá, nem poderia perecer, porque está assente nas bases inabaláveis da fé raciocinada.
Soubestes, pioneiro emérito, coordenar a pura Filosofia dos Espíritos e pô-la ao alcance de todas as inteligências, desde as mais humildes, que elevastes, até às mais eruditas, que vieram até vós e hoje se contam modestamente em nossas fileiras.
Obrigado, nobre coração, pelo zelo e pela perseverança que pusestes em nos instruir.
Obrigado por vossas vigílias e vossos labores, pela vigorosa fé que nos transmitistes.
Obrigado pela felicidade presente que desfrutamos, pela felicidade futura que nos fizestes certeza, quando nós, como vós, tivermos entrado na grande pátria dos Espíritos.
Obrigado ainda pelas lágrimas que enxugastes, pelos desesperos que acalmastes e pela esperança que fizestes brotar nas almas abatidas e desencorajadas.
Obrigado, mil vezes obrigado, em nome de todos os confrades da França e do Estrangeiro! Até breve.”
Estas são palavras de ALEXANDRE DELANNE, pai de Gabriel Delanne, ao despedir-se de Allan Kardec, em discurso proferido na ocasião do sepultamento do corpo do prof. Rivail.
(Fonte: Revista Espírita de maio de 1869)
Reproduzo parte de um texto escrito por Deolindo Amorim, sobre a vida de Allan Kardec:
“As biografias, como se sabe, podem ter objetivos diversos, dependendo do interesse e da posição do biógrafo. Pode-se fazer uma biografia puramente informativa, com os dados cronológicos, como se pode, se for o caso, biografar alguém com o intuito de defendê-lo ou exaltá-lo.
Temos, pois, a biografia simplesmente narrativa, que apenas alinha os fatos e as datas, a biografia apologética, que visa a glorificar ou defender, a biografia crítica, que é interpretativa por natureza, e assim por diante, até mesmo a biografia romanceada, como existem algumas.
Muitas vezes se estuda a biografia de uma pessoa com o propósito exclusivamente didático, isto é, com a intenção de colher dados para o aprendizado.
No caso de Allan Kardec, por exemplo, não há o que exaltar, pois ele já está exaltado, não aos olhos dos homens, mas aos olhos da espiritualidade, em razão de sua obra. De modo que a nossa exaltação, por mais ardorosa que fosse não alteraria em nada a dimensão histórica de Allan Kardec.
Muito menos caberia, aqui, uma biografia de defesa, visto como ele próprio se defende perante a posteridade, apesar das críticas unilaterais e das agressões que sofreu sem jamais ter sido atingido. Continua a ser o mesmo homem, a despeito de tudo.
Por sua vez, também não calharia bem, nesta oportunidade, uma biografia interpretativa, repassando aspectos que já foram por demais estudados e esclarecidos. Allan Kardec deixou uma obra para a Humanidade e cumpriu fielmente a sua missão, por todos os títulos, gloriosa.
Cabe, agora, aos pósteros, aos que desejam ser discípulos do Codificador, honrar a obra e esforçar-se por vivê-la com toda a dignidade. Então, qual o objetivo de uma biografia de Allan Kardec? , em se tratando de um curso como este?
Naturalmente um objetivo didático: tirar a lição de que necessitamos, aprender com ele, através de sua vida e de sua obra, aplicando essa lição às diversas circunstâncias da vida. Mas não podemos dissociar inteiramente Allan Kardec da Doutrina Espírita. Claro que a Doutrina não é dele, é dos Espíritos, como ele próprio fez questão de acentuar.
Não é o fundador do Espiritismo, já se sabe. Todavia, e esta é a verdade, não se pode separar muito a pessoa de Allan Kardec da Doutrina que codificou: se não foi ele o autor, e é certo, foi o elemento escolhido pelo Alto, inegavelmente.
Teve uma participação pessoal inconfundível e valiosa. Exatamente por causa de suas interferências, sempre oportunas, muitas questões doutrinárias foram elucidadas pelos mentores espirituais no trabalho de elaboração da Doutrina. Não foi apenas, como às vezes se diz, mero colecionador ou compilador.
Não! Para que compreendamos bem o papel que lhe coube desempenhar, precisamos reler Kardec, pois ele não se limitou à compilação sistemática. Interveio várias vezes, sensatamente, reformulando perguntas e provocando respostas mais elucidativas. Isto quer dizer, portanto, que a argúcia e o senso crítico de Allan Kardec penetraram em questões das mais delicadas, dando motivo a comentários pessoais e apreciações meditadas.
Abramos O Livro dos Espíritos, principalmente, e lá encontraremos (seus) valiosos comentários de “pé de página”, o que demonstra, à saciedade, que Allan Kardec teve participação ativa e necessária colaboração da Doutrina, conquanto os ensinos básicos sejam dos Espíritos, o que, aliás, já é notório.
Hoje em dia, porém, o que mais nos interessa na biografia de Allan Kardec é a sua missão. Como se configurou a missão do Codificador do Espiritismo, naquela época? Em que sentido se afirma essa missão na vida atual? Se, como já dissemos, estamos procurando estudar a vida de Allan Kardec, não para mais exaltá-lo ou defendê-lo, mas extrair lições, devemos confrontar o passado com o presente e situar a missão de Kardec no momento, através da filosofia de vida que a sua obra nos legou.
Dentro deste ângulo de apreciação, teremos de considerar, necessariamente, pelo menos cinco aspectos: O HOMEM em sua ÉPOCA, em seu MEIO, as INFLUÊNCIAS que recebeu e, finalmente, a MISSÃO.
Vamos por partes, como se estivéssemos abrindo um livro e passando de um capítulo para outro.
O HOMEM em sua ÉPOCA
O HOMEM é esse, que nós já conhecemos pela biografia que está num trabalho que nos oferece uma versão um pouco diferente, com maiores informações, sem alterar a linha dos fatos básicos. É o livro, relativamente ainda novo, do escritor francês André Moreil.
Trata-se do livro La Vie et l´Oeuvre d´Allan Kardec (1961), do biógrafo francês André Moreil, lançado no mesmo ano pela Edicel sob o título Allan Kardec, Vida e Obra, traduzido por Miguel Maillet, com revisão e notas de José Herculano Pires.
Reafirmando tudo quanto já se conhece, com toda a fidelidade às fontes históricas, André Moreil trouxe uma contribuição especial, tocando em pontos de que ainda não se havia tratado. É um enriquecimento apreciável, sem fantasiar, sem desfigurar a ordem das ocorrências e datas.
Já sabemos, por exemplo, que Allan Kardec é pseudônimo. Diz Moreil que Allan Kardec nasceu a 18 de abril de 1857. Como, se a data do nascimento é3 de outubro de 1804? Mas Moreil esclarece: o Allan Kardec nasceu com a Doutrina Espírita, e a Doutrina veio com O Livro dos Espíritos, no dia 18 de abril de 1857, em Paris.
Quem nasceu antes, em 1804, foi o professor Denizard Rivail. Ao identificar-se com a Doutrina, Denizard Rivail deixou o nome legal, o nome no registro civil e passou a ser definitivamente Allan Kardec.
Informa Henri Sausse, outro biógrafo, que Allan Kardec fora aluno de Pestalozzi fato muito sabido entre nós, antes de ser espírita, dedicava-se muito ao estudo do magnetismo, que estava a bem dizer em moda na França; também se sabe que, ainda como Denizard Rivail, escreveu vários trabalhos de pedagogia, pois sempre viveu absorvido pelos problemas da educação, tendo apresentado, em forma de “Memória” uma contribuição à reforma do ensino em seu país, contribuição aceita pelo Governo francês.
Tinha obras premiadas, já era um nome feito quando começou a interessar-se pelas comunicações dos espíritos. Quando entrou neste campo, que encarou com toda a seriedade, Allan Kardec já tinha sólida cultura humana e, ainda mais, uma embocadura filosófica muito penetrante.
Convém que assinalemos este ponto, embora de passagem. Enquanto alguns observadores e curiosos apenas se impressionaram com os fenômenos objetivos e deram testemunho, não há dúvida, enquanto outros, de categoria científica, fizeram experiências notáveis, ainda hoje válidas, mas não saíram do campo experimental, abstendo-se de fazer considerações doutrinárias, Allan Kardec foi além, porque embora também tivesse feito observações e experiências, tão criteriosas como as de outros interessados nos problemas mediúnicos, pressentiu logo as consequências de tudo isso pelo seu agudo senso filosófico, pois atrás dessa fenomenologia até então desconhecida em suas verdadeiras leis, embora observadas em todos os tempos, estava a explicação dos mais sérios problemas do espírito humano.
Houve experimentadores que não tiraram nenhuma dedução filosófica dos fenômenos, conquanto tivessem tido o desassombro de afirmar a veracidade das provas, o que, aliás, é muito mais importante do que parece, justamente porque são testemunhos insuspeitos, uma vez que entre eles não havia preocupação doutrinária: entraram nesse campo sem compromisso com o Espiritismo, mas tiveram a hombridade intelectual, não muito frequente, de reconhecer a evidência e proclamá-la em seus depoimentos.
Allan Kardec, que tinha outra formação, também partiu dos fenômenos, mas assumiu atitude filosófica. O professor Rivail, como já vimos, teve sua fase notável como educador, mas deixou a vida pública, a bem dizer, a fim de se entregar aos problemas do espírito.
Diz ele que começou em 1855, tendo trabalhado com mais de dez médiuns. São passagens que estão na biografia que os confrades vocês já conhecem. E daí por diante não parou mais, como todos sabem. Arrastado a esse terreno pela curiosidade dos que procuram não apenas os fenômenos em si, mas também as causas, partiu das “mesas girantes”, da tiptologia e de outras formas de comunicação de mortos, mas pensou, a princípio, que o magnetismo poderia dar uma explicação total ou definitiva.
Sabe-se que ele tinha estudos de magnetismo, que lhe foram muito proveitosos e chegou mesmo a aconselhar o estudo da ação magnética em conexão com o Espiritismo. Verificou, no entanto, que certo tipo de fenômenos escapa às possibilidades do magnetismo. Daí por diante, forçosamente teremos de reconhecer a predominância de uma força superior e, ainda mais, inteligente.
Descortina-se-lhe um horizonte mais amplo, pois, agora, trava relações com o elemento espiritual ou extra-humano. É o mundo espiritual que vem, através dos mentores, dar o ensino original, a doutrina pura, pelo princípio da “generalidade e concordância”.
Estamos trazendo a você uma das melhores análises biográficas da vida do Codificador, feita pelo jornalista, sociólogo, escritor e conferencista espírita Deolindo Amorim, nascido em 1906 e falecido em 1984.
Deolindo Amorim, pai do jornalista da TV Record Paulo Henrique Amorim, idealizou e promoveu o I Congresso de Jornalistas e Escritores Espíritas. Deolindo enfrentou com muita coragem em seu tempo as perseguições da igreja católica bem como da polícia do Estado Novo de Getúlio Vargas.
Um dos mais ardorosos defensores das obras espíritas e de Allan Kardec, levou o Espiritismo para o meio universitário proferindo palestras e cursos sobre a doutrina.
Eu pessoalmente tive o prazer de conhecer sua esposa, sra. Delta Amorim, quando do lançamento de seu último livro “O Espiritismo e os Problemas atuais”, publicado postumamente, completado em seus últimos capítulos por Hermínio Correia de Miranda.
Sua obra é vasta e rica de conceitos espíritas.
Terminamos o nosso artigo por aqui. Este artigo foi apresentado no programa FILOSOFANDO, de minha autoria, em três programas, sob os títulos Análise Biográfica de Allan Kardec, Missão de Allan Kardec, De que forma as obras de Allan Kardec influenciam os tempos Atuais (veja a Home deste Portal).
Sonia Theodoro da Silva, filósofa e espírita.