E foi condenado, por toda a eternidade, a rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que todas as vezes em que quase alcançava o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida, arrastada por meio de uma força irresistível, invalidando completamente o duro esforço dispendido.
(Na mitologia grega, Sísifo foi o filho do rei Éolo, da Tessália e Enarete. Foi considerado o mais astuto de todos os mortais, após uma vida de desventuras, Sísifo morreu de velhice e Zeus enviou Hermes para conduzir sua alma ao Hades e, lá no Tártaro, foi consideradoum rebelde contumaz e teve o castigo descrito acima)
Uma rápida leitura sobre o mito de Sísifo remete a nossa imaginação à grande pedra de mármore, que todos empurramos, montanha acima, deixando-a rolar montanha abaixo ao final de cada dia.
O Homem moderno visto pela ótica de Sísifo enfrenta o movimento diário de esforçar-se para içar a pedra montanha acima e a angústia em vê-la descer montanha abaixo, uma vez que o movimento repetitivo alude, metaforicamente, às questões existenciais, que afligem a alma humana.
A angústia do Homem Moderno acompanha os sistemas de pensamento desde Kierkegaard a partir de 1843 com sua obra Tremor e Temor, e vem perpassando, desde então, várias escolas filosóficas existencialistas, que se permitem explicar a sensação de finitude e desamparo que toma de assalto a alma humana.
Este trabalho debruça-se sobre um destes pensadores, estabelecendo a partir do enfoque dialético de suas ideias a válvula de escape para a angústia moderna que acomete a todos em algum momento de suas vidas.
Esse pensador é Albert Camus, filósofo da escola existencialista, morto em acidente de carro em 1962, e que desenvolveu em seu livro “O Mito de Sísifo” a sua “filosofia do absurdo”, que trata do Homem que busca o sentido da vida, sentido de unidade e clareza frente ao Mundo que para este Homem é ininteligível, e, também, um Mundo desprovido de Deus e Eternidade.
Albert Camus, como a grande maioria dos Existencialistas do seu tempo, também era ateu, tendo uma visão finita da existência, visão esta que instalou a sua filosofia do absurdo – um mundo sem Deus e sem piedade, mas realçando a importância da vontade do homem.
Podemos aceitar esta visão de mundo?
Será que somos homens fadados a sofrer como Sísifo foi condenado a sofrer por toda a eternidade? Será que teremos paz em nossos corações, esperança no porvir?
Será que podemos encontrar sentido no viver aqui e agora?
O ponto de partida é nos enxergarmos dentro de um dos dois grandes grupos que dividem a humanidade, quais sejam os espiritualistas em contraponto aos materialistas.
Cada uma destas visões de mundo é diametralmente oposta à outra. São incompatíveis entre si, pois se acolhermos uma delas implicará, necessariamente, em abdicarmos da outra.
Uma nos impõe um inexorável FIM – o nada dos materialistas, enquanto que a outra nos abre o FUTURO – a eternidade dos espiritualistas.
A despeito de quaisquer adversidades, vivemos hoje uma era materialista, em que os valores terrenos são supervalorizados, porém, isto não basta, vivemos uma era de desesperança em que a angústia toma assento a cada dia mais.
Camus, o pensador existencialista inconformado e ateu, que postula que somente a revolta retirará o homem do seu claustro absurdo, acredita que esse mesmo homem é dono do seu destino e responsável pelas suas vicissitudes.
Camus reconhece a grandeza do homem que supera o absurdo negando-o a princípio, e transcendendo-o pelas suas próprias ações. A revolta para Camus é esta tomada de consciência. Na sua visão, o mundo incompreensível e cruel não terá o condão de dizimar o homem.
Camus reverencia Sísifo na seguinte passagem: Toda a alegria silenciosa de Sísifo está aí. Seu destino lhe pertence. Seu rochedo é sua questão. Da mesma forma o homem absurdo, quando contempla o seu tormento, faz calar todos os ídolos.
Camus se aproxima da visão de mundo espiritualista, pois ao reverenciar o homem/Sísifo que transcende o mundo absurdo, indiretamente, planta a ideia de algo maior no íntimo deste homem. Planta a ideia de uma estrada a percorrer.
Será o reconhecimento de que somos seres em luta, pela estrada da vida, a vencermos a nós mesmos e a todos? “Sísifo e sua montanha”, no dizer de Camus.
Em outra passagem do texto, o filósofo contata a força interior humana, quando o homem absurdo diz sim e seu esforço não acaba mais. No mais, ele se tem como senhor de seus dias. Nesse instante sutil em que o homem se volta sobre sua vida, Sísifo, vindo de novo para seu rochedo, contempla essa sequência de atos sem nexo que se torna seu destino, criado por ele, unificado sob o olhar de sua memória e em breve selado por sua morte. Assim, convencido da origem toda humana de tudo o que é humano, cego que quer ver e que sabe que a noite não tem fim, ele está sempre caminhando. O rochedo continua a rolar.
O caminho pela estrada da vida impõe escolhas a serem feitas, que por mais aflitivas que possam parecer, serão amenizadas caso venhamos a desenvolver a força interna, ferramenta precisa para superarmos a angústia.
A visão espiritualista de mundo nos abre o leque da eternidade e a possibilidade concretada evolução, assim, o esforço de hoje não será em vão. Pensarmos no Ser que poderemos nos transformar amanhã nos impelirá à melhora, nos impulsionará ao progresso e ao reconhecimento que o porvir nos fará melhores.
Esta visão de mundo necessariamente se fundamenta na ética de Jesus, que sem maiores delongas nos assegurou que:
Bem-aventurados os que choram, pois que serão consolados. – Bem-aventurados os famintos e os sequiosos de justiça, pois que serão saciados. – Bem-aventurados os que sofrem perseguição pela justiça, pois que é deles o reino dos céus. (S.MATEUS, 5:4, 6 e 10.).
Não cabem dúvidas quanto a este direcionamento do Mestre.
Os Espíritos Superiores já nos asseveraram que as vicissitudes da vida derivam de uma causa e, pois que Deus é justo, justa há de ser essa causa. Isso o de que cada um deve bem compenetrar-se – ESE. Capitulo V. Allan Kardec.
Nós à semelhança de Sísifo, também, devemos prosseguir pela eternidade renovando a cada dia a nossa força interior.
Camus, mesmo sob a névoa do seu ateísmo dogmático, concluiu que Sísifo era feliz, conforme vislumbramos nesta belíssima passagem final do seu livro:
Deixo Sísifo no sopé da montanha! Sempre se reencontra seu fardo. Mas Sísifo ensina a fidelidade superior que nega os deuses e levanta os rochedos. Ele também acha que tudo está bem. Esse universo doravante sem senhor não lhe parece nem estéril nem fútil. Cada um dos grãos dessa pedra, cada clarão mineral dessa montanha cheia de noite, só para ele forma um mundo. A própria luta em direção aos cimos é suficiente para preencher um coração humano.
Espíritas! Enchamos nossos corações de força, como Sísifo, rumo ao porvir!
Cristiane Garcia
Pesquisadora CEFE
Bibliografia :
https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%ADsifo
Camus. Albert. O mito de Sísifo. Editora Guanabara. 3ª Edição.
http://sanderlei.com.br/PDF/Albert-Camus/Albert-Camus-O-Mito-de-Sisifo.pdf