Há tempos estamos ouvindo e assistindo alegações no sentido de que o Espiritismo é doutrina atualizável, que os conceitos filosóficos espíritas mudam conforme o tempo passa, que a mediunidade está “progredindo” pois traz testemunhos contundentes de Espíritos sobre o “outro lado da vida”; que é vedado e interdito criticar qualquer livro ou psicografia ou comunicações de qualquer espécie pois isto seria “falta de caridade”, “falta de atualização”, afinal, o Espiritismo é progressista e quem quer que ousasse fazer críticas estaria “sob a injunção de Espíritos obsessores”.
E o mercado livreiro dito “espírita” continua a desovar livros de qualidade duvidosa e inferior, quando não pretensiosos, ocupando as prateleiras de centenas de feiras, exposições e livrarias físicas e virtuais, ocupando ainda os espaços da internet com mensagens proféticas de “juízo final”, e outras que seguem um estilo profético, como se estivéssemos de volta ao Horizonte Oracular (expressão cunhada por J. Herculano Pires em O Espírito e o Tempo). Algumas afirmações ainda finalizam com a recomendação de que não nos devemos preocupar pois “Jesus está no leme deste barco” (donde se deduz que nada precisamos fazer, a não ser trancarmo-nos em nossas residências e deixar que a tempestade passe), e assim vai.
Através desse pequeno exemplo, parece-nos que há uma ausência de senso crítico com base no estudo metódico e aprofundado do Espiritismo, a ponto de haver opções por opiniões, teorias filosóficas que contradizem o próprio O Livro dos Espíritos, fantasias, apelos míticos e místicos, mas além de tudo, a adesão à crença cega em qualquer comunicação advinda dos planos de vida desencarnados, como se a morte física conferisse sabedoria às falas de pseudo orientadores da humanidade nesta atual difícil, trágica e melancólica travessia de um plano de expiações e provas para uma provável próxima regeneração moral e intelectual. Quando não, a verdadeira adoração aos “ídolos” do Espiritismo, personificados nos médiuns que tudo sabem, menos orientar-se devidamente e equilibrar-se em sua mediunidade pois revelam-se carentes de conhecimentos e de espírito de abnegação à tarefa, num flagrante desrespeito, indiferença, desamor à causa que juraram seguir, proteger e divulgar a benefício dos menos favorecidos que seriam milhões neste momento dramático da evolução do planeta.
Em sua grande maioria estão falindo, pois, ao invés, denigrem a Doutrina de Luz, a Filosofia dos Espíritos, a Ciência do Espírito, a Moral de Jesus, e seus seguidores e abnegados administradores do Bem sobre a Terra.
Alguém poderia dizer que não passa de opinião pessoal! Tem todo o direito… porém, vamos partir para algumas análises para reforçar a nossa “opinião” – no mais, convidamos a todos que estudem, pesquisem, conectem seus pensamentos com os dos Espíritos Superiores, trata-se de esforço próprio, pois ninguém o fará por nós.
A expressão pureza doutrinária começou a ser desenvolvida nos primórdios do Espiritismo no Brasil, quando a antiga FEB sob a presidência de Bezerra de Menezes enfrentava o duelo entre religiosistas e cientificistas, cada qual “defendendo” as suas ideias em detrimento do que ensinavam os Espíritos na Codificação. De lá para cá, as divisões de um movimento que diz representar o Espiritismo através de suas centenas de instituições, porém cada qual defendendo ideias pessoais de seus dirigentes acabaram por institucionalizar o Espiritismo, como se ele fosse “institucionalizável”, ou seja, subordinaram os princípios eternos e imutáveis de Leis Divinas à direção e opinião de seus ditos representantes, cada qual fazendo o que lhe apraz onde quer que estejam localizados.
Quando Allan Kardec em Obras Póstumas promove a criação de núcleos de estudo e pesquisa, ele está dizendo núcleos de estudo e pesquisa e não instituições representativas.
A expressão “pureza doutrinária” voltou à baila com as afirmações do dr. Ary Lex, num livro de mesmo nome, onde o autor postulava que deveríamos tomar o maior cuidado com as novidades surgidas à época (décadas de 70 e 80 do século passado) e que representavam doutrinas espiritualistas: umbanda, cromoterapia, cura por cristais, leitura de runas, cartas, cirurgias espirituais, etc., etc., etc. , além de destacar alguns erros cometidos pelo Espírito André Luiz em alguns de seus livros, corrigindo-os, não somente sob o ponto de vista doutrinário mas também científico. Os seus cuidados geraram pronunciamentos do Espírito Emmanuel, dizendo que se em algum momento ele próprio, Emmanuel, errasse em alguma afirmação, que os espíritas ficassem com o Espiritismo e com Allan Kardec e não com ele.
Ary Lex em alguns momentos tornou-se intransigente defensor do Espiritismo em detrimento de pessoas, instituições e Espíritos, o que atraiu desafetos e inimigos de seu pensamento e até de sua pessoa.
Lembro-me de uma afirmação que fiz a ele diretamente, sobre o que, em minha modesta opinião tratava-se de intransigência exagerada, eu mesma atuava numa instituição que ele presidia; ele nada disse. Tempos depois, após muitas observações corrigi-me e voltei a encontrá-lo num evento espírita: ele sorriu-me e disse: “agora a irmã me compreende?”, referindo-se a muitos senões que estavam ocorrendo naquele momento, tal como agora (mas não com tanta intensidade), e diante de minha aquiescência, sorriu e disse: “que a irmã possa tornar-se ardente defensora da doutrina dos Espíritos, pois isto é apenas o começo”.
O tempo tratou de mostrar que a imaturidade do senso moral, o orgulho, a vaidade humanas abririam um vácuo enorme entre os ensinamentos dos Espíritos Superiores e seus pretensos divulgadores.
José Herculano Pires, outro ardente defensor do Espiritismo lutou intensa e bravamente contra as alterações no Evangelho Segundo o Espiritismo que uma grande instituição de São Paulo promovera, publicando centenas de livros numa 1ª. edição afirmando que, assim, tornava o evangelho de Jesus mais “palatável” à leitura dos mais humildes.
Sem contar com as afirmações de Espíritos encarnados e desencarnados provenientes do antigo e provecto docetismo, afirmando peremptoriamente que Jesus tinha corpo fluídico, em uma série de 4 livros, leitura obrigatória numa instituição que até hoje se intitula orgulhosamente casa máter do Espiritismo.
Os livros dos autores citados são “Pureza Doutrinária”, “Na hora do testemunho” e “A Pedra e o Joio”. As biografias de Bezerra de Menezes relatam o seu imenso esforço para amenizar as lutas entre os litigantes do Espiritismo em sua época…
Como dissemos, a teoria docetista ainda prevalece naquela instituição. Os livros alterados inadvertidamente pela instituição em São Paulo acabaram por ser recolhidos, embora alguns já tivessem feito seus estragos, e J.Herculano Pires foi banido e proibido de lá frequentar.
Alguém poderia dizer: mas isto ficou no passado!
Sim, o tempo passou mas novos problemas surgem no caminho do Espiritismo, impedindo-o de crescer e consolar e esclarecer os milhões de almas hoje caídas em desespero e desequilíbrio.
Enquanto o ser humano não combater o orgulho e sua filha predileta, a vaidade, e o egoísmo, que gerou um filho degenerado, o individualismo feroz, o Espiritismo continuará a ser agredido, ridicularizado, alterado sem as mínimas considerações éticas, desapropriado em sua autenticidade e legitimidade e abrigará a contragosto ideias esdrúxulas advindas da pura ausência de respeito ao trabalho dos Espíritos Superiores e a Allan Kardec, além de, o mais grave, perder-se a oportunidade de elucidar e aclarar os grandes problemas humanos.
Purismo? Não creio. No entanto, vejamos o conceito de purista, que pode ser checado em qualquer bom dicionário: “Sujeito que se opõe às mudanças; que não aceita modificações de normas, padrões; Exemplos : Chamado de “Deus” pelos fãs, Clapton aborda sua formação musical, que tem como base a música negra norte-americana, particularmente o blues – o que o levou a buscar uma direção purista dentro desse gênero nos primeiros anos de carreira. (Folha de São Paulo, 22/02/2010)
Os próprios donos do local não fazem questão de manter segredo a respeito de sua crença –mas alegam que são diferentes da corrente “purista” do Criacionismo, porque o zoológico explica a vida a partir de “ambos, Deus e a evolução”. (Folha de São Paulo, 27/08/2009) (Consulta em 18/08/2015 http://www.dicio.com.br/purista/ )
“Na arte, o purismo foi um movimento que defendia uma pintura sem valores emocionais, racional e rigorosa. Sem subjetividade e qualidades decorativas” (…) “O purismo também pode ser uma orientação teórica, que objetiva a compreensão de um fenômeno defendendo estritamente a pureza de uma tradição ou ortodoxia. Caracteriza-se pela rejeição sistemática de qualquer possibilidade ou proposta de alteração em uma doutrina ou ortodoxia.” (pesquisa feita em 18/08/2015 https://pt.wikipedia.org/wiki/Purismo )
Pelas definições acima podemos verificar que a defesa da Verdade Espírita não se enquadra nessas definições. Vejamos os dicionários filosóficos (o Espiritismo é fundamentalmente Filosofia): o adepto da “pureza doutrinária” seria “purista”: “grupo ou partido que, no seio da Igreja da Inglaterra, quis, do interior, e a partir dos anos 1560, levar a reforma dessa igreja até o modelo das igrejas calvinistas do continente europeu, etc., etc. “ (…) O purismo leva à doutrina puritanista, “uma forma de calvinismo.” (Dicionário de Ética e Filosofia Moral, Editora Unisinos, 2ª. ed., 2013, pg. 861); Puro: termo muito usado em Filosofia (…), que não contém em si nada de estranho, exemplo, corpo quimicamente puro, cultura pura, define do mesmo modo a pureza do prazer ou da dor das quais faz um dos pontos a considerar no seu cálculo utilitário; chama-se puro a todo conhecimento que não está misturado com nada de estranho – mas diz-se que um conhecimento é puro quando nele não se mistura nenhuma experiência ou sensação e, por consequência ele é possível, inteiramente, a priori (Kant).” (Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia, Lallande, ed. Martins Fontes, 3ª. ed., 1999, pg 893).
Neste mesmo último Dicionário, encontramos a definição de Radicalismo filosófico : há referências ao radicalismo político, econômico e filosófico de Bentham e Mill; com pontos fundamentais em liberalismo total, econômico, comercial, industrial, superioridade do governo representativo, etc., etc.
O Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano praticamente repete Lallande com outras palavras.
O Dicionário de Filosofia Espírita, resultado de intensa e memorável pesquisa de L.Palhano Jr, (Ed. CELD), diz : Pureza: “inocência, singeleza, sinceridade, perfeição de caráter (…)”, o autor refere-se igualmente aos Espíritos Puros como já desprovidos das influências materiais, segundo Allan Kardec.
Poderíamos discutir cada definição dessas acima num confronto direto com a chamada “pureza doutrinária”, mas preferimos deixar esse esforço aos nossos nobres leitores.
Com todo esse material poderíamos concluir que o sentido do conceito estabelecido por Lex e Herculano nos levam a entender que eles queriam (e querem) que os espíritas não usem o Espiritismo como instrumento especulativo de suas próprias ideias e concepções. E mais, como degrau ascensional de suas vaidades e individualismos. E isto também serve para os desencarnados. Porque?
Simplesmente porque os princípios espíritas, eternos, imutáveis, cósmicos e universais, Deus, Espírito e Matéria, desenvolvidos em estudos profundos por Allan Kardec e os Espíritos Superiores são alimento para a alma, hoje andando sobre as brasas da violência, da corrupção, das enfermidades, do ódio e da discórdia; os Espíritos Superiores certamente desejam que as novas gerações que aqui chegam diariamente através da reencarnação, encontrem um ambiente psíquico saudável e salutar para o seu desenvolvimento e para a contínua renovação do planeta.
O mal está em acreditar que a Doutrina de Luz é mutável como nós somos, incoerentes como é a raça humana, dúbia como o pensamento humano, relativa e inconstante como todos nós fomos e continuamos a ser, com as sempre louváveis exceções.
E, finalmente, como o Espiritismo “evolui”? Sua ciência, que revelou a vida em outras dimensões com coerência metodológica, se aproximará cada vez mais dos cientistas encarnados, estimulando-os às descobertas necessárias dessa Vida vibrante em outras dimensões aos quais pertencemos e para onde voltaremos, melhorando com isso a vida no planeta.
Quanto ao sentimento ético e moral, só tende a desenvolver-se, à medida em que respeitarmos a vida sob todas as formas em que ela se manifeste.
Sua Filosofia, centrada em seus princípios eternos e imutáveis, tornar-se-á cada vez mais clara à proporção em que evoluirmos.
Donde concluirmos que o que precisa de evolução é a alma humana, que, trabalhando as suas convicções e abrindo mão de suas crenças antiquadas poderá alcançar o sentido do Espiritismo em sua vida e na vida do planeta, desta forma, entendendo que a Doutrina poderá alicerçar essa caminhada, como a mais pura bênção aos corações fatigados e às mentes exauridas, mas plenos de esperança, do verbo esperançar.
Leituras sugeridas (além das já citadas no texto):
Instruções de Allan Kardec ao Movimento Espírita – Allan Kardec (coletânea de artigos)
O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec, cap. Os Falsos Cristos e Falsos Profetas
O Livro dos Médiuns, Allan Kardec
O Verbo e a Carne, José Herculano Pires
Sol nas Almas, Espírito André Luiz, Cap. 29, A Defesa da Verdade
A Esquina de Pedra, Wallace L. Rodrigues (relatos sobre a fase de deturpação dos ensinos de Jesus)
Recordações da Mediunidade – Yvonne do Amaral Pereira
Quando Jesus se tornou Deus – Richard E. Rubenstein
Autora: Sonia Theodoro da Silva