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SÓCRATES E PLATÃO

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Fragmento do quadro de Rafael Sanzio (1483-1520), Escola de Atenas (1506-1510), onde se vê Sócrates (vestes  marrons) frente às prováveis figuras de Xenofonte, Antístenes e Alcibíades ou Alexandre Magno.

Ao tomar-se O Evangelho Segundo o Espiritismo às mãos, logo na IV Introdução, nota-se o destaque que Allan Kardec tributou à obra do filósofo Sócrates de Atenas (479 a.C. – 399 a.C.) e de seu discípulo Platão (Arístocles) de Atenas (428 a.C. – 348 a.C.), tributando a ambos a qualidade de anterioridade à maior Mensagem de todos os tempos, na pessoa de Jesus de Nazaré e do próprio Espiritismo, seu Parácleto.

Mas o que qualifica Sócrates e Platão como precursores desses dois grandes movimentos da razão e do sentimento?  Que revolução é esta que faz com que dois pensadores tenham aderido de imediato à proposta de renovação conceptual do mundo mitológico no qual estavam imersos e que os tornava parte do panteão sacro-político de uma Atenas que respondia aos seus maiores administradores como a deuses intocáveis?

Simples: Sócrates era um pensador arguto, de uma inteligência aguçada pela percepção intuitiva inata, e que via a realidade de seu tempo tal como ela se apresentava. Ousava contribuir com a sua ironia ao despojamento das crenças atreladas às aparências, induzindo os atores do palco da Vida a se despirem do aparato ligado ao mise-em-scène para buscarem, dentro de si mesmos, as razões pelas quais viviam, trabalhavam, conviviam, passavam por dificuldades, guerreavam, lutavam por seus objetivos, adoeciam, morriam.

Sócrates perguntava – e perguntando, parturejava significados em detrimento de definições do senso comum, ou seja, trazia à tona a Verdade por meio de simples conceitos. E tão simples eram, que ele nem mesmo pensava em registrá-los para a posteridade, já que, quanto mais pesquisava, quanto mais buscava, reconhecia que “de nada sabia”. Sua modéstia tocou até o oráculo, em Delfos, que reconhece, em meio às centenas de homens de Estado, pensadores, homens e  mulheres dotados de inteligência e fortunas pessoais que o procuravam, que ele, Sócrates, era o mais sábio de todos.

Por isso seu discípulo e admirador, Platão, lhe tributa a maior homenagem que alguém poderia tributar ao gênio socrático: o registro de seus Diálogos, no formato de livros, preservados até os nossos dias.

Sócrates, por ser a Verdade em pessoa, incomoda – incomoda aos mesquinhos, aos medíocres, que estão situados em todos os cantos deste planeta – e quando tomam o Poder, amesquinham ainda mais o espaço que ocupam, e o que é pior – o espaço dos outros, contaminando com seu bafio corações e mentes que, frágeis, passam a invejar, a caluniar, a mentir, a falsear, porque sentem medo. Medo de se verem, frente a frente, e de verem ainda a pequenez de seu espaço interior, incapazes que são de abrir as asas e voar em direção à plenitude de si mesmos. Por isso condenam quem o faz, criam situações incomodas e inverdades plausíveis. Sócrates, para não contradizer o que acreditava – a Verdade -, cumpre a ordem de beber o veneno da incúria, da falsidade e da covardia.

E, diz Emmanuel, a Grécia viria a responder coletivamente pela tragédia a que induzira o mais ilustre de seus filhos. Sócrates se libertava – a Grécia se escravizava por muito, muito tempo ainda.

Platão, verdadeiramente desconsolado pela perda viaja, reflete, vive, convive, sofre, e volta. E, ao voltar, registra em seus livros a convivência com o mestre – dizem que muito de seu próprio pensamento está inserido em Os Diálogos, é certo. Porém, o espírito de Sócrates e o Espírito Sócrates permaneceriam para sempre presentes, subliminarmente, em toda a obra platônica, preenchendo o vácuo das mentes e dos sentimentos, quiçá inspirando mediunicamente um dos seus maiores discípulos.

Ainda há muito a dizer de Sócrates e Platão e este Portal Centro de Estudos Filosóficos Espíritas o fará por muitas vezes. Mesmo porque o seu pensamento está presente em toda a Codificação Espírita, precursores que foram dela e da Mensagem Libertadora de Jesus de Nazaré.

Reproduzimos abaixo, na íntegra, o texto “Sócrates”, contido no livro Crônicas de Além-Túmulo, Espírito Humberto de Campos, médium Chico Xavier ao qual expomos à reflexão de nossos estudiosos internautas:

“Foi no Instituto Celeste de Pitágoras (nome convencional para figurar os centros de grandes reuniões espirituais no plano invisível) que vim encontrar, nestes últimos tempos, a figura veneranda de Sócrates, o ilustre filho de Sofronisco e Fenareta.
A reunião, nesse castelo luminoso dos planos erráticos, era, nesse dia, dedicada a todos os estudiosos vindos da Terra longínqua. A paisagem exterior, formada na base de substâncias imponderáveis para as ciências da atualidade, recordava a antiga Hélade, cheia de aromas, sonoridades e melodias. Um solo de neblinas evanescentes evocava as terras suaves e encantadoras, onde as tribos jônias e eólias localizaram a sua habitação, organizando a pátria de Orfeu, cheias de deuses e harmonias. Árvores bizarras e floridas enfeitavam o ambiente de surpresas cariciosas, lembrando os antigos bosques da Tessália, onde Pan se fazia ouvir com as cantilenas de sua flauta, protegendo os rebanhos junto das frondes vetustas, que eram as liras dos ventos brandos, cantando as melodias da Natureza.
O palácio consagrado a Pitágoras tinha aspecto de severa beleza, com suas colunas gregas à maneira das maravilhosas edificações da gloriosa Atenas do passado.
Lá dentro, agasalhava-se toda uma multidão de Espíritos ávidos da palavra esclarecida do grande mestre, que os cidadãos atenienses haviam condenado à morte, 399 anos antes de Jesus Cristo.
Ali se reuniam vultos venerados pela filosofia e pela ciência de todas as épocas humanas, Terpandro, Tucidides, Lísis, Ésquines, Filolau, Timeu, Símias, Anaxágoras e muitas outras figuras respeitáveis da sabedoria dos homens.
Admirei-me, porém, de não encontrar ali nem os discípulos do sublime filósofo ateniense, nem os juízes que o condenaram à morte. A ausência de Platão, a esse conclave do Infinito, impressionava-me o pensamento, quando, na tribuna de claridades divinas, se materializou aos nossos olhos o vulto venerando da filosofia de todos os séculos. Da sua figura irradiava-se uma onda de luz levemente azulada, enchendo o recinto de vibração desconhecida, de paz suave e branda. Grandes madeixas de cabelos alvos de neve molduravam-lhe o semblante jovial e tranquilo, onde os olhos brilhavam infinitamente cheios de serenidade, alegria e doçura.
As palavras de Sócrates contornaram as teses mais sublimes, porém, inacessíveis ao entendimentos das criaturas atuais, tal as transcendência dos seus profundos raciocínios. À maneira das suas lições nas praças públicas de Atenas, falou-nos da mais avançada sabedoria espiritual, através de inquirições que nos conduziam do âmago dos assuntos; discorreu sobre a liberdade dos seres nos planos divinos que constituem a sua atual morada e sobre os grandes conhecimentos que esperam a humanidade terrestre nos seu futuro espiritual.

É verdade que não posso transmitir aos meus companheiros terrenos a ex­pressão exata dos seus ensinamentos, estribados na mais elevada das justiças, levando-se em conta a grandeza dos seus conceitos, incompreensíveis para as ideologias das pátrias no mundo atual, mas, ansioso de oferecer uma pa­lavra do grande mestre do passado aos meus irmãos, não mais pelas vísceras do corpo e sim pelos laços afetivos da alma, atrevi-me a abordá-lo:
– Mestre – disse eu -, venho recentemente da Terra distante, para onde encontro possibilidade de mandar o vosso pensamento. Desejaríeis enviar para o mundo as vossas mensagens benevolentes e sábias?
– Seria inútil -respondeu-me bondo­samente -, os homens da Terra ainda não se reconheceram a si mesmos. Ainda são cidadãos da pátria, sem serem irmãos entre si. Marcham uns contra os outros, ao som de músicas guerreiras e sob a proteção de estandartes que os desunem, aniquilando-lhes os mais nobres sentimentos de humanidade.
– Mas… – retorqui – lá no mundo há uma elite de filósofos que se sentiriam orgulhosos de vos ouvir!…
– Mesmo entre eles as nossas verdades não seriam reconhecidas. Quase todos estão com o pensamento cristalizado no ataúde das escolas. Para todos os espíritos, o progresso reside na experiência. A história não vos fala do suicídio orgulhoso de Empédocles de Agrigento, nas lavas de Etna, para proporcionar aos seus contemporâ­neos a falsa impressão de sua ascensão para os céus? Quase todos os estudiosos da Terra são assim; o mal de todos é o enfatuado convencimento de sabedoria. Nossas lições valem somente como roteiro de coragem para cada um, nos grandes momentos de experiência individual, quase sempre difícil e dolorosa.
Não crucificaram, por lá, o Filho de Deus, que lhes oferecia a própria vida para que conhecessem e praticassem a Verdade? O pórtico da pitonisa de Delfos está cheio de atualidade para o mundo. Nosso projeto de difundir a felicidade na Terra só terá realização quando os Espíritos ainda encarnados deixarem de ser cidadãos para serem homens conscientes de si mesmos. Os Estados e as Leis são invenções puramente humanas, justificáveis, em virtude da heterogeneidade com respeito à posição evolutiva das criaturas; mas, enquanto existirem, sobrará a certeza de que o homem não se descobriu a si mesmo, para viver a existência espontânea e feliz, em comunhão com as disposições divinas da natureza espiritual. A Humanidade está muito longe de compreender essa fraternidade no campo sociológico.
Impressionado com estas respostas, continuei a interrogá-lo:
– Apesar dos milênios decorridos, tendes a exprimir alguma reflexão aos homens, quanto à reparação do erro que cometeram, condenando-vos à morte?
– De modo algum. Mélitos e outros acusadores estavam no papel que lhes competia, e a ação que provocaram contra mim nos tribunais atenienses só podia valorizar os princípios da filosofia do bem e da liberdade que as vozes do Alto me inspiravam, para que eu fosse um dos colaboradores na obra de quantos precederam, no planeta, o pensamento e o exemplo vivo de Jesus Cristo.
Se me condenaram à morte, os meus juízes estavam igualmente condenados pela natureza; e, até hoje, enquanto a criatura humana não se descobrir a si mesma, os seus destinos e obras serão patrimônios da dor e da morte.
– Poderíeis dizer algo sobre a obra dos vossos discípulos?
– Perfeitamente – respondeu-me o sábio ilustre -, é de lamentar as observa­ções mal avisadas de Xenofonte, lamentando eu igualmente, que Platão, não obstante a sua coragem e seu heroísmo, não haja representado fielmente a minha palavra junto dos nossos contemporâneos e dos nossos pósteros. A His­tória admirou na sua Apologia os discursos sábios e bem feitos, mas a minha palavra não entoaria ladainhas laudatórias aos políticos da época e nem se desviaria para as afirmações dogmáticas no terreno metafísico. Vivi com a minha verdade para morrer com ela. Louvo, todavia, a Antístenes, que falou com mais imparcialidade a meu respeito de minha personalidade que sempre se reconheceu insuficiente. Julgáveis então que me abalançasse, nos últimos instan­tes da vida, a recomendações no sentido de que se pagasse um galo à Esculápio? Semelhante expressão, a mim atribuída, constitui a mais incompreensível das ironias.

– Mestre, e o mundo? – indaguei.
– O mundo atual é a semente do mundo paradisíaco do futuro. Não tenhais pressa. Mergulhando-me no labirinto da História, parece-me que as lutas de Atenas e Esparta, as glórias do Pártenon, os esplendores do século de Péricles, são acontecimentos de há poucos dias; entretanto, soldados es­par­tanos e atenienses, censores, juízes, tribunais, monumentos políticos da cidade que foi a minha pátria estão hoje reduzidos a um punhado de cinzas!… A nossa única realidade é a vida do Espírito.
– Não vos tentaria alguma missão de amor na face do orbe terrestre, dentro dos grandes objetivos da regeneração humana?
– Nossa tarefa, para que os homens se persuadam com respeito à Verdade, deve ser toda indireta. O homem terá de realizar-se interiormente pelo trabalho perseverante, sem o que todo esforço dos mestres não passará do terreno do puro verbalismo.
E, como se estivesse concentrado em si mesmo, o grande filósofo sentenciou:
– As criaturas humanas ainda não estão preparadas para o amor e para a liberdade… Durante muitos anos, ainda, todos os discípulos da verdade terão de morrer muitas vezes!…
E, enquanto o ilustre sábio ateniense se retirava do recinto, junto de Anaxágoras, dei por terminada a preciosa e rara entrevista.”

 

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