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Orfeu e o Orfismo

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Pesquisa realizada por Eduardo Salles Nunes de Souza
 

Na mitologia grega, Orfeu era poeta e médico, filho da musa Calíope e de Apolo ou Eagro, rei da Trácia. Era o poeta mais talentoso que já viveu. Quando tocava sua lira que seu pai lhe deu, os pássaros paravam de voar para escutar e os animais selvagens perdiam o medo. As árvores se curvavam para pegar os sons no vento.Orfismo é o nome dado a um conjunto de crenças e práticas religiosas originárias do mundo grego helenista, com a literatura atribuída ao poeta mítico Orfeu, que desceu ao Hades e voltou.

Poesia contendo crenças distintamente órficas foram rastreadas até o século 6 a.C. ou pelo menos até o século 5 a.C., e escritos do século 5 a.C. aparentemente se referem a “Órficos”. Fontes clássicas, como Platão, referem-se à “iniciadores em Orfeu”.

Não está claro, em especial, a relação do Orfismo a fenômenos relacionados dentro da religião grega, como pitagorismo, os mistérios de Elêusis, várias manifestações de culto a Dionísio e a filosofia religiosa do pré-socrático Empédocles. No século V a.C. Heródoto relatou a proibição do sepultamento do morto vestindo roupas de lã, uma disposição funeral que chamou de órfica.

As visões e práticas órficas foram testemunhadas por Heródoto, Eurípides e Platão. A maioria das fontes de ensinamentos e práticas órficas é atrasada e ambígua, e alguns estudiosos afirmam que o Orfismo tenha sido na verdade uma construção de uma data mais recente do que se acredita. Porém, os papiros Derveni, descobertos há poucos anos, permitem datar a mitologia órfica em quatro séculos antes de Cristo. ou até uma data mais antiga que essa. Outras inscrições encontradas testemunham a antiga existência de um movimento com as mesmas crenças centrais que foi mais tarde associado com o nome do Orfismo.

O Orfismo e os órficos derivam seu nome do poeta trácio Orfeu, seu fundador presumido, cujos traços históricos são inteiramente recobertos pela névoa do mito. O Orfismo é particularmente importante porque, como os estudiosos modernos reconheceram, introduz na civilização grega um novo esquema de crenças e uma nova interpretação da existência humana. Efetivamente, enquanto a concepção grega tradicional, a partir de Homero, considerava o homem como mortal, colocando na morte o fim total de sua existência, o Orfismo proclama a imortalidade da alma e concebe o homem segundo um esquema dualista que contrapõe o corpo à alma.

O núcleo das crenças órficas pode ser resumido como segue:

  1. No homem se hospeda um princípio divino, um demônio (alma) que caiu em um corpo em virtude de uma culpa original.
  2. Esse demônio não apenas preexiste ao corpo, mas também não morre com o corpo, estando destinado a reencarnar-se em corpos sucessivos, através de uma série de renascimentos, para expiar aquela culpa original.
  3. Com seus ritos e suas práticas, a “vida órfica” é a única em condições de pôr fim ao ciclo das reencarnações, libertando assim a alma do corpo.
  4. Para quem se purificou (os iniciados nos mistérios órficos) há um prêmio no além (da mesma forma que há punição para os não iniciados).

Em algumas tabuinhas órficas encontradas nos sepulcros de seguidores dessa seita, entre outras, podem-se ler estas palavras, que resumem o núcleo central da doutrina: “Alegra-te, tu que sofreste a paixão: antes, não a havias sofrido. De homem, nasceste Deus!”; “Feliz e bem-aventurado, serás Deus ao invés de mortal!”; “De homem, nascerás Deus, pois derivas do divino!” O que significa que o destino último do homem é o de “voltar a estar junto aos deuses”.

A ideia dos prêmios e castigos de além-túmulo, evidentemente, nasceu para eliminar o absurdo que frequentemente se constata sobre a terra, isto é, o fato de que os virtuosos sofrem e os viciosos gozam. A ideia da reencarnação (metempsicose), ou seja, da passagem da alma de um corpo para outro, como nota Eric Robertson Dodds*, talvez tenha nascido para explicar particularmente a razão pela qual sofrem aqueles que parecem inocentes. Na realidade, se cada alma tem uma vida anterior e se há uma culpa original, então ninguém é inocente e todos pagam por culpas de gravidades diversas, cometidas nas vidas anteriores, além da própria culpa original: “E toda essa soma de sofrimentos, neste mundo e no outro, é só uma parte da longa educação da alma, que encontrará o seu termo último em sua libertação do ciclo dos nascimentos e em seu retorno às origens. Somente desse modo e sob o metro do tempo cósmico é que se pode realizar completamente para cada alma a justiça entendida no sentido arcaico, isto é, segundo a lei de que quem pecou, tem de pagar” (Eric Robertson Dodds*).

 

Nota:

Eric Robertson Dodds* = Eric Robertson Dodds (Banbridge, Condado de Down, 1893 – Oxford, 1979), que assinou todas as suas obras como E.R. Dodds, foi um historiador irlandês, especializado na história da Antiga Grécia. Recebeu em 1912 uma bolsa para estudar no University College, da Universidade de Oxford.

Bibliografia:

Encyclopédia Britannica;

Il mito di Orfeo (em italiano);

Albinus, Lars. 2000. The House of Hades. Aarhus.;

Betegh, Gábor. 2006. The Derveni Papyrus. Cosmology, Theology and Interpretation. Cambridge;

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia: Antigüidade e Idade Média Volume I. 3ª ed. São Paulo: PAULUS, 1990.  p. 18 – 19.

 

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